Como toda expressão que se populariza, lavagem cerebral virou uma expressão "guarda-chuva". O termo é usado sem muito critério, para criticar qualquer visão de mundo com a qual se discorda, e espalhar preconceitos sobre filosofias impopulares. Mas será que devemos descartar por completo uma palavra por ela ser mal-empregada? Penso que não. Penso que ainda é relevante falarmos em lavagem cerebral para compreender um fenômeno que ocorre em grupos manipuladores.
Quem observa pessoas próximas ligadas a grupos sectários percebe, intuitivamente, que há algo errado. O discípulo muda de opiniões, preferências, valores, gostos, quase como se virasse outra pessoa. Começa usar palavras novas e abusar de frases prontas, parecendo um "disco arranhado" ou "robô" com pensamento circular. Os chineses chamavam isso de xǐnăo (洗脑), que significa literalmente lavar o cérebro. É como se a pessoa fosse lavada de seus pensamentos antigos e impregnada com novos. A ideia se popularizou a partir dos Estados Unidos, na década de 60, e para o mundo inteiro.
Benjamin Zablocki |
Na sequência procurarei deixar mais claro o conceito de lavagem cerebral, fundamentado em Zablock e, também, no livro de Robert J. Lifton Thought Reform and the Psycholgy of Totalism.
- Convencimento. O convencimento na lavagem cerebral costuma ser mais individualizado e não deve ser confundido com processos de convencimento de massas. Atividades de massas são usados por algumas seitas, normalmente as maiores, assim como pela grande mídia etc, para promoverem seus interesses, mas é importante saber que a lavagem cerebral não necessita de eventos de massa para ocorrer, podendo ser praticada de um indivíduo sobre outro.
- Persistência. A lavagem cerebral precisa ser reforçada de tempos em tempos. Do contrário, tende a se enfraquecer e se extinguir, conforme a vítima passa a ter contato com outras pessoas, criar novos vínculos e referências diferentes. Por esse e outros motivos, a lavagem cerebral não é um processo tão fácil como se imagina. Apenas a minoria (talvez 1%) das pessoas que entram em contato com determinada seita acabem criando um vínculo mais permanente que lhe permita internalizar a lavagem cerebral.
- Voluntariedade. É importante que o indivíduo entre na lavagem cerebral voluntariamente. Se fosse aplicada à força, levantaria resistências e barreiras que aumentariam a dificuldade do processo. Por isso, ela é apresentada como uma "re-educação", "desintoxicação" ou libertação do passado. Busca-se desconectar o indivíduo da vida prévia, mostrando-a como impura ou de menor importância. Ao mesmo tempo, busca-se dotar o indivíduo com novas forças e novos ideais, para que este sinta, de fato, que está sendo beneficiado ao aproximar-se do grupo.
- Isolamento. Quanto maior a restrição da informação externa, maiores as chances de manipulação ideológica. Alguns grupos são mais restritos que outros. A tendência das seitas contemporâneas é não usar muita restrição física. Colocam mais ênfase em outros recursos, como o elitismo, através do qual reforçam o "vício" do membro ao grupo, e também a postura hipercrítica do mundo exterior, com a qual estimulam o membro a um afastamento do outro/diferente.
- Afetividade. Embora imaginemos a lavagem cerebral como algo ocorrendo no campo intelectual e cognitivo, parte fundamental do processo é afetiva. Grupos sectários tendem a ser altamente afetuosos com os novos visitantes, passando a impressão de serem realmente uma comunidade melhor para se viver. Os afetos positivos são viciantes, em especial quando a seita se torna a grande fonte de emoções gratificantes do indivíduo.
E você, já passou ou conhece alguém que tenha passado por lavagem cerebral? Aproveite para compartilhar suas experiências nos comentários abaixo.
Para saber mais, conheça meu livro Seitas e Grupos Manipuladores: Aprenda a Identificá-los.
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