sexta-feira, 7 de julho de 2017

Como grupos disfuncionais lidam com críticas?

Nos grupos disfuncionais, há uma forte pressão para que os membros não façam críticas.

Uma frase ficou famosa nas redes sociais após ser falsamente atribuída a Voltaire: "para saber quem governa a sua vida, procure entre aqueles que você não tem permissão para criticar". Se a autoria é falsa, o conteúdo não deixa de ser fonte de inspiração.
Críticas não são necessariamente boas ou ruins, corretas ou incorretas. Há várias delas, das mais justas às mais injustas. Falamos popularmente de críticas "construtivas" e de "criticar por criticar". Cada crítica deve ser avaliada por si. Mas uma coisa é mais certa: as críticas desestabilizam posições. Por isso, a relação com as críticas é um ótimo indicador sobre a índole democrática ou manipuladora-abusiva de um grupo.
Em grupos mais democráticos a crítica é feita mais livremente. Uma coisa é consequência lógica da outra. Existirão posições conflitantes e, até mesmo, incompatíveis. Nem sempre se chegam em acordos. Não ha ausência de conflitos. Mas o grupo democrático lida com tais diferenças de maneira a manter equilíbrio de poder entre as partes, assegurando que as disparidades e divergências não serão revertidas em abusos, privilégios e exclusões. Grupos assim são capazes de colocar limites quando uma das partes tenta ganhar vantagens e poder excessivo sobre outros.
Em grupos manipuladores, a relação com a crítica é diferente:

1. Críticas internas

O recém-chegado pode perceber uma via de mão única entre líder (um ou poucos) e membros. Nessa via, o discurso é feito do líder aos liderados. A falta de crítica pode até impressionar alguns visitantes, no início, dando um senso de segurança e alivio. Uma espécie de "como é bom estar num ambiente sem discórdia". Tudo no início é feito para passar este sentimento de conforto e segurança. Apenas posteriormente o membro acaba sentindo uma pressão, que pode ser até silenciosa, para que não fale o que não concorda. É curioso que líderes sectários eventualmente provoquem os membros dizendo-lhes que não concordem com ele. Mas o fato é que todos percebem, de uma forma ou de outra, os riscos implícitos em sustentar opinião discordante.
Em contrapartida, a crítica do(s) líder(es) aos membros é livre e frequente. Em suas conferências frequentes, líderes sectários normalmente trazem algum dado para criar clima de desconforto contra um membro ou uma postura que vá contra seus postulados. Em eventos grandes o líder pode falar de modo indireto, sem apontar quem, embora todos os participantes acabem descobrindo rapidamente (fofocas são costumeiras em grupos fechados). Em círculos menores, o líder mostra menos escrúpulos em apontar o dedo, ironizar, acusar ou até trazer a público informações íntimas sobre determinado membro. Em resumo, há uma via de mão única onde a autoridade para fazer críticas é altamente desigual, favorecendo o topo da pirâmide.

2. Críticas externas

Em relação às críticas externas, há uma radicalização do que expliquei no artigo sobre elitismo. É preciso entender que não apenas críticas diretas são ameaçadoras. Modos de vida diferentes, ideias diferentes, tudo o que é diferente pode servir como referência para que o membro questione a forma como as coisas funcionam no grupo. Por isso, para se manterem, as seitas precisam ser altamente críticas de tudo o que há fora. Inicialmente, formam caricaturas negativas sobre o que parecer diferente, ou sobre o que puder atrair o membro para fora da seita. 
A via de mão única explicada na sessão anterior também existe na relação entre o grupo e o "mundo lá fora". Resumidamente, o grupo (ou normalmente, o líder em seus discursos) não aplica a si mesmo nem 5% do rigor com o qual julga grupos ou pessoas externas. Passarão a fazer campanha contra tudo o que considerarem ameaçá-los. Grupos de longa tradição ou que estão em uma espiral manipuladora mais profunda chegam a criar uma cultura de medo (ou proibição explícita) para que seus membros não acessem a internet (onde críticas são fáceis de encontrar) ou a televisão (onde outros modos de vida são mostrados). Grupos mais suaves ou recentes podem não chegar a esses extremos, mas sempre buscam uma forma de denegrir a imagem dos ex-membros, para que seus conhecidos não tenham contato e não escutem experiências desagradáveis de quem passou na mão destas seitas.

Em síntese, grupos disfuncionais apresentam uma combinação de líderes hipercríticos com os discípulos e liderados que protegem o líder de críticas externas - mesmo quando sintam que elas são justas - tentando manter a qualquer custo uma imagem impecável do grupo.

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