sábado, 1 de julho de 2017

Ninguém quer entrar para uma seita

As pessoas não desejam entrar "em uma seita". Pelo menos se usarmos seita como sinônimo de grupo destrutivo. Seria a mesma coisa que dizer que as pessoas desejam ser manipuladas.

Ninguém quer entrar em um relacionamento abusivo… mas entram. 
Ninguém quer usar substâncias tóxicas… mas usam.

As coisas não são o que elas aparentam ser. Jeannie Mills, sobrevivente do suicídio em massa ocorrido no Templo do Povo, de Jim Jones, resume com simplicidade: "Se um grupo parece bom demais para ser verdade, provavelmente é bom demais para ser verdade!". Ou seja, provavelmente é mentira. O grupo mostra uma fachada quase perfeita que ajuda a esconder seus defeitos. Ou então, a pessoa está tão carente de uma solução para sua vida que deposita todas as fichas naquele grupo, idealizando-o, largando todo o resto e se tornando dependente.
O que ocorre, normalmente, é a soma dessas duas coisas. O potencial explosivo da seita surge da união entre a visão salvadora que o grupo ou líder têm de si mesmos e as carências do indivíduo que vai deixando tudo de lado para seguir aquela suposta salvação.
Veja se não é algo semelhante ao que acontece em um relacionamento abusivo ou no abuso de drogas e outras substâncias. Você ingressa numa relação que parece maravilhosa, vai recebendo algumas gratificações que não tinha quando estava solteiro, mas ao preço de sofrer certos abusos. Com o tempo, os abusos aumentam mas você já está amarrado(a) e dependente da pessoa, com dificuldade para reagir. Ou então você começa a usar certa substância que dá um "barato legal" e alivia as dores, e vai se fixando nela. Com o tempo, você sente efeitos colaterais mas está tão dependente da situação que não consegue se desgarrar.

Vítimas de seitas não são diferentes de outras pessoas.


Minha intenção é quebrar a famosa crença do "isso não acontece comigo".
Voltando às comparações do início, veja se você lembra de alguma pessoa conhecida, muito parecida com outras, normal em vários aspectos, mas que não consegue se desgarrar de um relacionamento abusivo. Ou de uma pessoa super promissora que, em questão de poucos meses, caiu em algum tipo de vício e prejudicou-se.
A fronteira entre uso e abuso, dedicação e vício, persistência e dependência, entre a força e a fraqueza, é tênue. Muitas vezes nossos maiores erros acontecem onde acreditamos estarem nossos maiores acertos. Eu realmente desejo que isso não aconteça com ninguém e quero que todos se sintam bem em "experimentar" o contato com qualquer grupo. Apenas alerto que um pouco de conhecimento e cautela ajudam a não cairmos em armadilhas.


Armadilhas da inadaptação?

A qualquer momento podemos olhar para nossa vida e a considerarmos sem sentido. Crescemos estudando para nos tornarmos trabalhadores e movimentarmos uma engrenagem econômica abstrata e impessoal. Se não formos bons estudantes, não conseguimos colocação profissional nem vida razoável (exceto se nascemos em berço de ouro). Se formos bons estudantes, tampouco isso garante que nos sentiremos realizados com o que faremos durante a maior parte do nosso tempo durante as décadas seguintes. Quando adultos, montamos família e temos filhos. Ficamos com a impressão de o sentido da vida ser simplesmente servir à perpetuação da espécie. Mesmo quando nos conformamos com essa visão de mundo, viver continua sendo um privilégio dos poucos que conseguem posições melhores na frenética competição social.
Tentamos reagir, individualmente e coletivamente, procurando alternativas. Formamos grupos nos quais juntamos forças para construir uma vida mais significativa. As seitas oferecerem respostas e caminhos. Respondem (de modo paliativo, mais eficiente pois imediato), nossas aflições a nível afetivo e cognitivo. A busca humana de integridade, harmonia, participação, realização, tão deixadas de lado em nossas vidas, parecem mais próximas quando ingressamos em uma seita.
Por isso estudiosos percebem que não há padrão de desequilíbrio mental ou baixa escolaridade entre pessoas que ingressam nas seitas. Do contrário, muitos são visionários, motivados, dedicados, inteligentes e críticos sobre a sociedade em que vivem, alimentando forte desejo revolucionário e dispostos a se sacrificarem por uma causa. O membro sectário é alguém que consegue dar conta da vida frenética de exigências dentro destes grupos exploradores. As seitas nem gostam de receber sujeitos desequilibrados e desmotivados pois tendem a dar mais trabalho do que contribuir com a obra.
Paradoxalmente são esses indivíduos com ímpetos progressistas e libertários que – através de um processo sedutor – ingressam em grupos conformistas e conservadores, à procura de alguma autoridade e aprovação que não experimentaram em outras condições oferecidas pela “sociedade convencional”. Entendeu por que falei, anteriormente, que nossas maiores forças estão intimamente vinculadas com nossas maiores fraquezas?

Imagens: PinterestClipart Library.

Para saber mais, conheça meu livro Seitas e Grupos Manipuladores: Aprenda a Identificá-los. 

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