sábado, 15 de julho de 2017

Padronização nas seitas

Já percebeu como, em certos grupos, os membros parecem altamente padronizados, seja no modo de vestir, falar, comportar-se, nos discursos e ideias? Isso não é por acaso. Saiba mais, a seguir:

Em grupos sectários, a padronização da personalidade chega a ser caricatural.

Todos nós formamos nossa personalidade através do exemplo e da imitação. Aprendemos (ou imitamos) na infância, com nossos pais ou criadores, os modelos de convivência e vida em família. Posteriormente, na adolescência, aprendemos (ou imitamos) com novos modelos. Por isso os pais estranham quando adolescentes começam a vir para casa com repertórios novos de palavras, vestimentas, hábitos, atitudes, valores. A personalidade vai encontrando espaço para integrar novas referências sociais. Mais tarde, ainda, no casamento ou namoros de duração mais longa, também pegamos alguns modos de falar e agir dos parceiros. Se mudamos de cidade por muito tempo, adquirimos um pouco do sotaque.
Seitas precisam ser exclusivistas se quiserem manipular. Já mostrei alguns motivos nos artigos sobre isolamento e críticas nestes grupos. Um resultado disso é que os membros de grupos manipuladores começam a ter cada vez menos referências ou, talvez, uma referência, que seria o líder do grupo. Este líder (vivo ou morto) é uma espécie de exemplo absoluto na Terra. Ninguém se compara a ele. Posteriormente falarei mais sobre o líder e como se forma esse tipo de liderança totalista. Por ora, basta entender que, quando um grupo tem a uma pessoa como exemplo incomparável, fica mais visível a maneira como a imitação acontece.
Com o tempo, membros passarão a imitar o líder, seja em seu vestuário, trejeitos, hábitos, modos de falar e até vícios de linguagem. Uma vez que aconteça coletivamente, até modos mais excêntricos começam a parecer normais e os membros passam a ter menos autocensura para copiarem o líder no dia à dia, fazendo com que o grupo se destaque quando em meio à multidão. Aliás, diferenciar-se da multidão tende a ser um ideal do grupo. É a forma de marcar diferença de uma sociedade da qual procuram se destacar.
As pessoas de fora costumam acreditar que esse tipo de padronização é imposta e os grupos manipulados costumam se defender dizendo que nada está sendo imposto. Nenhum dos lados está completamente certo ou completamente errado. Nós todos copiamos nosso jeito de ser. Não é preciso impor o sotaque ou o modo de vestir de uma região. Ele vai sendo naturalizado e assimilado espontaneamente. Quando temos múltiplas referências, o resultado é uma mistura. Em grupos sectários, ao contrário, a referência é única, então o resultado é uma padronização.
É muito difícil fazer uma pesquisa direta com resultados estatísticos sobre este fenômeno, por exemplo, uma vez que os membros de seitas tendem a dissimular comportamentos ou evitar dar informações sempre que desconfiem de como os resultados possam ser usados. E nas seitas, tudo é motivo para desconfiança. Entretanto, em um dos poucos estudos estatísticos sobre o fenômeno, o psicólogo e diácono Flavil Yeakley Jr. aplicou testes psicométricos com membros de denominações religiosas e verificou que havia uma tendência de padronização psicológica mais forte entre membros quando comparada com seu passado ou expectativas futuras. Esta padronização também é chamada por outros estudiosos do assunto de pseudopersonalidade. Os resultados de Yeakley Jr. podem ser lidos em seu livro The Discipling Dilemma (1988), hoje disponível online.
Falei de hábitos, vestuários, linguagem e personalidade mas outra característica central que é altamente padronizada nas seitas são as ideias. Pelos mesmos motivos que as características anteriores. E é facilmente perceptível depois de conversar e iniciar alguns debates com membros de grupos sectários. Quanto mais sectário, mais estes membros parecem falar as mesmas coisas, que são repetições do que seus mestres falam, como se não tivessem opinião própria. Intimamente, o membro considera que tem opinião própria mas não acha estranho o fato de suas opiniões serem muito parecidas com a do líder. Nos casos em que as opiniões divergem, você poderá observar como as opiniões diferentes jamais são colocadas de maneira pública. O preço de discordar pode ser alto.

As seitas dizem respeitar as diferenças mas valorizam, de fato, a conformidade.


Imagens: Autism Community; CLASI; Imgur.

Para saber mais, leia meu livro Seitas e Grupos Manipuladores: Aprenda a Identificá-los. 

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