A readaptação do ex-membro à vida fora da seita costuma envolver uma série de váriaveis. A psicóloga Margareth Singer, autora de diversos livros sobre grupos sectários, dá algumas recomendações, que irão variar conforme as características de cada pessoa, seu contexto social e o tipo de experiência que teve em grupos manipuladores:
- Práticas. Dar atenção e cuidados com a saúde, física e psicológica, bem como à formação escolar. Ambos podem ter sido negligenciados durante o envolvimento sectário. Problemas físicos podem ter sido somatizados devido ao estresse acumulado, sendo útil informar o médico sobre esta carga de tensão para auxiliar o diagnóstico e tratamento de certos distúrbios físicos. Auxílio jurídico-legal também é indicado, no caso em que o ex-membro tema possíveis retaliações da seita, ou tenha alguma pendência contratual com esta, tenha realizado atos ilícitos sob pressão da mesma, queira indenização por danos morais ou materiais sofridos ou, ainda, queira lutar pela custódia ou guarda de filhos que permaneçam sob o cuidado do cônjuge sectário.
- Psicológico/emocional. É preciso tempo para integrar a experiência prévia de ter sido discípulo de uma seita com a experiência presente de fazer parte do “mundo lá fora”. Ao recém sair de um grupo disfuncional, o ex-membro precisa ir devagar com decisões de destino (por exemplo casar-se, mudar-se para um lugar distante e desconhecido, entrar de corpo e alma em outro grupo). Não é indicado “sumir” ou tentar “apagar” o passado, como se tudo fosse simplesmente recomeçar do zero. Ingressar na seita pode ter sido uma fuga. Fugir novamente pode ser apenas um novo paliativo. Talvez, hoje, você (ex-membro) queira simplesmente desaparecer, envergonhado ou revoltado, mas amanhã, conforme lida com esta experiência, será capaz de sentir-se confortável com o assunto, falar abertamente ou rir de si mesmo e, inclusive, alertar outras pessoas sobre o problema.
- Cognitivo/mental. A saída de uma seita é parte da cura, sendo a outra o entendimento pessoal sobre os fatores, vulnerabilidades e expectativas que o fizeram se envolver com ela. Leitura sobre o assunto e conversas com ex-membros podem auxiliar, tanto no sentido intelectual (compreender as manipulações e desinformações perpetradas pela seita) quanto emocional (perder medos e ganhar coragem). Pode ser necessário aprender a retomar o controle do próprio estado mental, evitando gatilhos que o levem aos estados psicológicos dissociativos praticados pela seita. No caso de práticas que dissociativas ou indutoras de despersonalização,técnicas de "aterramento" que retiram o foco para outro canal sensorial podem ajudar (beliscar o dedo, ler em voz alta, fazer pequenos movimentos, espreguiçar-se, mudar o foco visual, solicitar que as pessoas lhe chamem se você “apagar” etc).
- Social/pessoal. Reconectar-se com familiares, amigos ou conhecidos que foram sendo deixados de lado durante o período pode ser indicado ou talvez inevitável. Este meio costuma servir como uma referência e suporte mais conhecidos do ex-membro. Entretanto, não é raro que a relação seja ambivalente (muitas vezes são relações familiares disfuncionais que impulsionam a pessoa a procurar uma "segunda família" em alguma seita). Um auxílio psicológico costuma ser de grande ajuda para que o membro não volte a formar laços destrutivos com quem quer que seja. É importante ir com calma na hora de formar novos laços sociais, para não formar novos vínculos de dependência. Após acostumar-se em acatar as vontades do líder, é hora de formar os seus próprios gostos e preferências, aprender a formar e dar opiniões. Vale a calma e a paciência, até sentir-se razoavelmente confortável consigo mesmo, antes de ingressar em relacionamentos mais definitivos. A mesma prudência deve ser observada ao tentar retomar o contato com membros da seita – amigos ou parentes que estão sob seu domínio. Este contato dificilmente é benéfico enquanto o ex-membro não estiver recuperado e estruturado na nova vida.
- Filosófico/atitudinal. Diversificar o estudo para outras linhas filosóficas, religiosas, científicas, artísticas, políticas etc. É comum perceber que certas palavras têm significados variados fora da seita e que as frases prontas e jargões específicos desta não fazem sentido fora daquele contexto. É muito gratificante “respirar novos ares” filosóficos, ver o mundo de diferentes formas e, principalmente, pensar e dialogar dentro de esquemas diferentes, ao invés de encapsular tudo para dentro dos rótulos próprios e preconceituosos da doutrina sectária. Em contrapartida, não sendo mais um “salvador” do mundo, é importante reduzir o modo hipercrítico de ver e tratar as pessoas. Na seita havia “padrões de qualidade” para tudo. No mundo real, as pessoas são adultas e livres para viverem da maneira como quiserem, não cabendo a você “salvá-las” ou “esclarecê-las”. Esteja disposto, também, a conhecer melhor os grupos que eram “demonizados” dentro da sua seita e, talvez perceber que os mesmos não são tão maus como se afirmava.
Para assistir a uma entrevista com a autora em inglês, clique neste link: youtu.be/UO0vPYd9Txw.
Para saber mais, conheça meu livro Seitas e Grupos Manipuladores: Aprenda a Identificá-los.
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